ÍNDICE GERAL
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS - 8 páginas
APÊNDICE 1: Rosivaldo Gomes de Santana - 6 páginas
APÊNDICE 2: Marcondes dos Santos Silva - 5 páginas
APÊNDICE 3: Gerson Clarindo Freire - 3 páginas
APÊNDICE 4: Josefa Raimundo de A. Silva - 7 páginas
APÊNDICE 5: Maria Helena Silva dos Santos - 15 páginas
APÊNDICE 6: Adeilda Silva Nogueira - 8 páginas
APÊNDICE 7: José Porfírio dos Santos - 4 páginas
APÊNDICE 8: Sebastião Pulquério de Lima - 3 páginas
APÊNDICE 9: Cícero Afreu dos Santos - 6 páginas
APÊNDICE 10: José Sampaio - 2 páginas
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS 02 - Marcondes dos Santos Silva
A2. APÊNDICE No 2
Neste apêndice, vamos também relatar
algumas ocorrências que se sucederam no decurso desse processo de reintegração
de posse, que mostram as dificuldades decorrentes da falta de aplicação
enérgica e urgente da lei. Conforme consta no Processo 1883/01, iniciado em
12/02/01, no 6o Juizado, o inquilino Marcondes dos Santos
Silva nunca pagou o aluguel contratado. Existe um manuscrito da minha irmã, que
tem anotações até princípios de 1992, em que ficam patentes as agressões
sofridas por ela ao tentar receber os aluguéis, tendo recebido o mês de
novembro de 1991 em 03/01/02. Em fevereiro de 1997, conseguimos assinar o
contrato citado no Processo 1883/01. Esse inquilino teve as mesmas
oportunidades de quitar os aluguéis que os outros inquilinos tiveram, pois
foram expedidas 3 cartas de cobrança, em 07/03/97, em 20/11/97 e em 13/02/98,
respectivamente. Além disso, o casal João e Genoveva, residentes próximos ao
local, ou seja, na rua Belém, no 68, ficou autorizado a
receber os aluguéis, como de fato o fizeram, pois muitos inquilinos pagaram ali
os seus aluguéis. Instaurado o Processo 1883/01, esse inquilino foi condenado a
pagar a quantia de R$500,00, correspondente a 50 meses de atraso nos pagamentos
do aluguel de R$10,00 por mês. Isso foi no dia 08/03/01, devido à sua ausência
na audiência de conciliação. O Mandado de Intimação foi recebido pelo seu
irmão, Cícero José dos Santos Silva, conhecido pela alcunha de Pequeno, que foi
o encarregado de ficar ocupando o imóvel. Em 24/05/01, a MM. Juíza, Denise
Calheiros, expediu a determinação de que o imóvel fosse desocupado até o dia
24/06/01, e após essa data, com força policial. Os ocupantes do imóvel nunca
tomaram ciência deste ato, pois dependia da entrega pelo Oficial de Justiça,
que é o calcanhar de Aquiles de todos os procedimentos finais desse Juizado
Especial, Civil e Criminal. Tanto que no dia 11/05/01, uma sexta-feira, uma
funcionária do Juizado reafirmou o fato de que o Oficial Rosival tinha uma
outra função no Fórum, dispondo de pouco tempo para o juizado, enquanto que o
10o Juizado, da Ponta Verde, tinha um exclusivo.
No dia 03/06/01, um domingo, percebi
que um grampo “C”, que é uma ferramenta que eu utilizara para sustentar as duas
faces da viga de coroamento do muro, no valor aproximado de R$40,00, havia
desaparecido. No dia 08/06/01, um amigo nosso não encontrou mais a roupa dele
que havia deixado dependurada no nosso quintal, durante a noite. No dia
11/06/01, reforçamos a cerca que separava o nosso quintal da casa em questão, e
o irmão mais novo do Pequeno, Alano, conhecido pela alcunha de Chapolim, o mais
belicoso dos três, veio fiscalizar o serviço munido de um facão. Como o cidadão
“FOCA” (Ver APÊNDICE 1) alegara que tinha feito o tablado divisório para se
defender dos maconheiros, tiramos também nesse dia, uma foto da abertura que
intercomunicava o espaço cercado pelo “FOCA” com o quintal desses 3 irmãos.
Para ficar mais compreensível o texto, devemos informar que o inquilino
Marcondes, conhecido pela alcunha de Conde, o Pequeno e o Chapolim, são
usuários de drogas, e estavam sempre envolvidos com brigas entre seus inúmeros
companheiros que freqüentavam o local. Ainda nesse dia, à noite, tivemos uma
importante reunião na confluência das ruas Triunfo e Arame, com a presença dos
comandantes do 1o e 5o batalhões da Polícia
Militar e do vereador Thomas Beltrão. Nessa ocasião, um dos moradores,
conhecido por Gil, disse conhecer todo o esquema de drogas do local. A partir
do dia 16/06/01, o portão que dava acesso pela rua do Arame ao imóvel em
questão permaneceu sem o cadeado, dando passagem a estranhos. Deve-se
acrescentar que os ocupantes do citado imóvel, como muitos dos seus visitantes,
preferiam utilizar os caminhos do mato, acessando o local pelos fundos do
terreno, ficando nossa casa também exposta a todos esses tipos de
susceptibilidades. No dia 24/06/01, dia de São João, levantei-me às 4:30h,
devido aos latidos do nosso cão. Mas como vi um gato branco dentro do cercado
que delimitava o imóvel em questão, voltei para casa. Logo em seguida, às
5:00h, os cachorros latiram novamente, e dessa vez de forma insistente, mas
acreditei ser devido à presença do gato e não me levantei. Quando finalmente
fui ao quintal, às 5:30h, pois íamos à missa nos estúdios do CANAL 5 de TV, vi
que faltavam 3 dos grampos “C”que eu havia deixado, prendendo uma tábua sobre 2
cavaletes, junto à minha casa. Mais tarde, depois do almoço, minha esposa viu o
Pequeno entrar e sair do imóvel pelo portão da frente. Ela combinou com a
vizinha que mora em frente, e esta concordou em jogar uma pedra no nosso portão
se ele saísse de casa com algum embrulho. Assim foi feito, e ele saiu com uma
calça envolvendo alguma coisa. O esposo dessa vizinha e outras pessoas
informaram que ele havia se dirigido a uma determinada serralharia. Fomos até
lá e o proprietário disse que, realmente, ele oferecera 3 peças de ferro para
ser vendidas. A descrição dele, inclusive as cores, coincidiam com as de nossas
ferramentas. Saí, a pé, para ver se encontraria o Pequeno pelas ruas do
Jacintinho, mas não obtive sucesso. Na volta, minha esposa disse que já havia
ligado para a polícia porque já tinham visto o Pequeno voltar para casa com o
mesmo embrulho debaixo do braço. Pouco depois, minha esposa me acordou para
dizer que o Pequeno já estava algemado numa viatura policial, à frente da nossa
casa. Isso muito me constrangeu, mas vi que não tinha saída e tinha que ir até
o fim. Fomos com os policiais até o interior do imóvel habitado ora pelo
Pequeno. Durante a vistoria, eu comecei a me sentir inseguro e angustiado à
medida que o Pequeno se declarava inocente e pessoa de bem, e os soldados nada
encontravam. De repente, quando parecia tudo terminado, ouvi um tilintar
metálico, e uma grande emoção nos envolveu quando um dos policiais levantou uma
sacola contendo os três grampos “C”, do fundo de um buraco, atrás da cama do
Pequeno. Ele então se declarou culpado e pediu por misericórdia. O policial
próximo a ele o segurou pela gola da camisa como se tivesse irado, e eu logo
pedi para não tocar nele, pois iríamos apresentar queixa na forma da lei. Os
policiais disseram que se era assim, eu teria que ir junto. Fui me vestir e
tomei lugar na viatura que estava estacionada na esquina da rua dos Caetés, bem
em frente do açougue dos evangélicos sr. Manoel e D. Tereza Maria R. dos
Santos, rodeada por uma multidão de curiosos. Antes de chegar no CIAPC do
Farol, demos um longo passeio pelo bairro que acredito ter sido o de Ponta da
Terra, com o Pequeno algemado no cubículo logo atrás de mim, que não parava de
me pedir e implorar para que eu o libertasse. Eu me sentia ridículo e a
tristeza tomava conta de mim, pois sabia que era também vítima em toda aquela
trama. Chegando ao CIAPC, o Pequeno e eu saltamos da viatura e fomos até à sala
onde se registram as queixas, sempre acompanhados dos 2 policiais que traziam
os 3 grampos “C” nas mãos. Uma vez um dos policiais mostrou um dos grampos para
o Pequeno dizendo que aquilo apertava bem os dedos. O Pequeno permaneceu
indiferente a tudo, parecendo já acostumado a coisas piores. Começamos a tomar
conhecimento da realidade quando ouvimos que para o registro da ocorrência
seriam necessárias testemunhas e muito tempo. Por exemplo, poderia levar 4h, o
que significaria a minha “detenção” até altas horas da noite, com a minha
esposa e minha tia naquele ambiente conturbado da rua do Arame, sem a minha
presença. Sugeriram que eu poderia ir e o Pequeno ficaria para passar a noite.
Eu fiz ver a todos que não aceitaria a permanência do Pequeno ali, sem o
registro da ocorrência, e em último caso, ele voltaria comigo. Veio a
informação de que o delegado estava ausente, numa missão importante, e que não
se podia fazer o registro da ocorrência sem a presença dele. Foi uma surpresa
para mim quando vi que havia policiais também do sexo feminino e fiquei um
pouco aliviado. Mas isso não durou muito tempo porque elas me pareceram até
mais rigorosas e ameaçadoras. Uma delas disse que o delegado chegaria muito
aborrecido se tivesse que deixar sua missão importante para vir fazer o
registro da queixa. Outros policiais comentavam que tudo aquilo por causa
daqueles 3 grampos “C”, que até já tinham sido recuperados. Os policiais que
seguravam os grampos passaram a ficar cada vez mais nervosos, manifestando
descontentamento por estar ali, ao que me pareceu, além de sua hora
regulamentar, ao invés de estar com suas famílias festejando a noite de S.
João. Eu ia ficando cada vez mais preocupado e apreensivo, principalmente
porque era patente que eu era o culpado de tudo. Antes desses acontecimentos, o
Pequeno já tinha sido entrevistado pelo responsável por esta tarefa. Ele
primeiro pediu para que eu relatasse o ocorrido. Logo após, ele se dirigiu ao
Pequeno, que já estava sentado logo atrás de mim, que confirmou tudo sempre
dizendo: “Foi como o sr. Francisco falou”. Ao que o policial acrescentou: “Você
é sem vergonha mesmo!” O Pequeno permaneceu como sempre: impassível. Um
policial se encarregou de verificar os antecedentes criminais do Pequeno,
chegando com o resultado de que a ficha dele era limpa. Sendo assim, se eu
insistisse no registro da ocorrência, ele iria provavelmente ficar no presídio,
saindo de lá em condições piores devido ao convívio com outros criminosos. A
sugestão seguinte foi de que nós seríamos liberados se eu assinasse um termo
inocentando o Pequeno. Como eu estava visivelmente embaraçado e nervoso, não
pude concordar prontamente. A sala estava repleta de policiais. Foi então que
alguém sugeriu uma reunião para resolver o que fazer e pediram para que nos
retirássemos da sala por uns momentos. Abriram uma porta e conduziram-nos para
uma sala contígua, fechando a porta à nossa retaguarda. A sala era espaçosa,
mas quase sem mobiliário e só me lembro das cadeiras que utilizamos para nos
sentar. O Pequeno ficou próximo a uma das paredes e eu próximo à outra parede,
ambos em silêncio. Eu, de natureza avessa a ambientes fechados, comecei a
sentir um mal estar e procurei me controlar com medo de enlouquecer. Num
arroubo de angústia, convidei o Pequeno para rezarmos juntos e ele prontamente
aceitou. Ficamos de pé, no centro da sala, um de frente para o outro, e eu
comecei a balbuciar uma Ave Maria. Foi aí que o Pequeno me interrompeu para
dizer que ele era evangélico e não sabia rezar a Ave Maria. Eu admirei a
honestidade dele e fiquei tocado pela ausência de qualquer sentimento de
revolta ou ódio naquela criatura, e achei melhor desistir da oração. Voltamos a
nos sentar. Em seguida a porta se abriu e nos convidaram a voltar para a sala.
Eu, com sofreguidão, apelei para a solução de inocentar o Pequeno, pois via que
era a única maneira de sair logo dali. Talvez porque foram tantos os argumentos
que eu coloquei a favor da retirada da queixa, sem conseguir disfarçar a minha
ansiedade, que desconfiaram da possibilidade de que eu estivesse com algum
ardil. Para meu desespero, veio a policial e disse que agora não tinha mais
jeito de voltar atrás, que todos tinham que esperar o delegado, que ela já o
tinha contactado. Alguns dos policiais não concordaram e disseram que eu já
tinha aceitado assinar o termo de responsabilidade. A policial acrescentou:
“Ele diz isso aqui e depois vai nos denunciar na imprensa”. Eu retruquei que
não faria isso. Então nos levaram para outra sala, melhor aparelhada, onde
ficavam essas policiais, sempre com os policiais que estavam com os grampos “C”
nos acompanhando. O próximo lance foi o telefone celular que eu tinha no bolso
tocar. Eu, sem costume de portar esse tipo de aparelho, não me dei conta do
ruído, mas a policial que estava sentada á mesa na minha frente, me advertiu:
“É o seu celular que está tocando!” Confuso, consegui apertar o botão
conveniente e ouvir a voz da minha esposa. Comovido, tratei de falar bem
claramente que já estava tudo resolvido, que eu ia retirar a queixa e chegar em
casa logo a seguir, com a intenção de sugestionar a todos os presentes, e por
fim, a mim mesmo de que aquilo era mesmo verdade. Ainda tive forças e ousadia
suficientes para propor uma redação em que o Pequeno se comprometeria a se
retirar do imóvel, no dia seguinte. A policial fez ver a ele que era um
compromisso em troca da retirada da queixa e ele prometeu cumprir tudo,
deixando-me em paz. Após ouvir o rádio do Camburão citando o meu nome várias
vezes, fomos soltos na rua do Arame e tive a felicidade de encontrar meus
familiares.
No item A2.1, deste APÊNDICE,
mostramos o texto que escrevemos logo após esses acontecimentos, como forma de
contribuir para a reflexão dos problemas que assolam a nossa sociedade.
Relatamos um pouco mais agora porque sabemos que certas coisas não são
convenientes num dado momento, mas o tempo nos mostra quando as pessoas já
estão amadurecidas para essas coisas, de modo que o relato não tenha o efeito
de uma denúncia odiosa, mas de um remédio necessário aos males que nos afligem.
Isso faz parte das regras sociais, pois há até os prazos em que os crimes
prescrevem, aceitos pelo senso comum.
No dia seguinte, o Pequeno só veio
retirar as roupas às 15:00h, e disse que uma outra pessoa viria buscar a cama
dele. A madrugada do dia seguinte, 26/06/01, foi de pleno terror. Às 1:30h, os
cachorros começaram a latir. Encontrei o portão do Marcondes atado com um
cordel, enquanto eu o tinha deixado aberto, antes de me deitar. Retirei o cordel
e escancarei-o como o havia deixado na noite anterior. Até às 4:30h, ouviam-se
apitos, muitos cachorros latindo nas vizinhanças, papocos de todos os tipos
etc, culminando com um barulho ensurdecedor, vindo do lado da rua, entre a
parede de nossa casa e o muro da rua. Naquela aflição, as fantasias pululavam,
eu me imaginava perdido, pensando no poder das grandes organizações criminosas
internacionais, sem poder dormir e sem proteção da sociedade. Vendo que não
tinha alternativa, busquei uma faca na cozinha e abri a janela para ver quantos
estavam prestes a invadir a minha residência. Foi uma surpresa, pois tinha sido
apenas a nossa escada metálica que tinha caído contra o muro, provavelmente
devido ao vento forte, pois logo em seguida começou a chover e continuou por
todo o dia. Foi um momento de grande descontração e eu agradeci a Deus por
tudo. A próxima noite foi também de grande desassossego, iniciando ás 23:30h.
No dia seguinte, fui surpreendido pelo irmão do Pequeno, o Chapolim, embaixo da
escada onde eu estava, encostada no muro da rua. Ele viera tomar satisfações,
me perguntando se o irmão dele tinha pegado minhas coisas. Eu lhe respondi,
secamente, que ele não precisava de mim para ter essas informações. Ele
utilizou o subterfúgio de que minha esposa o teria mandado chamar para falar
com ele, e, apesar de eu ter dito que não queria conversa com ele, e que ele,
se quisesse, fosse ao Juizado. Ele ainda disse que viria para apanhar as telhas
de amianto que estavam no imóvel em questão. Ainda nesta manhã, ele veio com 2
capangas e um martelo na mão, que usou para quebrar a cerca, levando as telhas
pelo mato, em direção à rua das Jardineiras. De cima do muro, fiz o meu
protesto dizendo a eles que não tinham o direito de invadir a minha
propriedade, pois o caso estava na Justiça. Ele, solenemente, deu importância á
minha última frase e desdenhou: “Justiça. Ela só existe para os pequenos!”
Senti na sua voz e na sua convicção,
uma similitude com o que Pilatos disse ao próprio Cristo: “E o que é a
verdade?” Cristo silenciou. Eu também silenciei. Minha esposa já tinha
telefonado para a delegada Aureni, que apareceu com vários policiais fortemente
armados, mas o Alano (Chapolim) já havia desaparecido. Fui no Juizado, mas este
estava em recesso. Resolvi pedir a um conhecido para ficar vigiando os meus
grampos “C”, na calçada da rua, durante a noite. Na madrugada de 29/06/01, às
2:30h, eu estava conversando com este senhor na calçada da rua, quando o
Pequeno desfilou calmamente pela rua, entrando por um dos becos que dá acesso
aos fundos do nosso terreno. Às 9:00h, nesse mesmo dia, o Pequeno apareceu, de
cuecas, no local onde dormia, sendo este local mais visível devido aos
plásticos que havíamos retirado no dia anterior. Ele se vestiu, reuniu alguns
pares de tênis novos num balde, e saiu pelo nosso portão. Antes de ir, demos um
sanduíche com café e a recomendação de que seria mais fácil para ele se
recuperar se ele fosse para outra cidade, afastando-se de vez da dominação
exercida sobre ele pelas más companhias. Resolvemos convidar algumas pessoas da
vizinhança e proceder à demolição do imóvel em questão. Uma das pessoas, entre
as que estavam encarregadas da demolição, teve a perspicácia de observar
inúmeros pequenos orifícios nas paredes de alvenaria do quarto do Pequeno, me
mostrando que havia restos de maconha no interior deles, que, segundo ele, era
essa droga retirada com auxílio de estiletes, na hora oportuna. Dessa forma,
ele se prevenia no caso de alguma investigação súbita em sua residência. Foram
encontrados também invólucros de drogas que são vendidas, com restrições, nas
farmácias.
A2.1. MINHA PRIMEIRA VIAGEM
NUM CAMBURÃO
Tudo começou na madrugada do dia
24/06/2001. Acordei com o latido dos cachorros. Consultei o relógio que marcava
4:30h. Fui no quintal e me aproximei do cercado onde fica o barraco habitado
pelo cidadão Cícero. Achei que tinha visto um gato branco do lado de dentro do
cercado que envolve o barraco e voltei logo para casa, pois havia chovido. O
sereno estava forte e o frio pedia uma volta imediata à cama. Os cachorros
latiram novamente quando o relógio marcava 5:00h. Desta vez não fui mais olhar
o que era, já que o gato certamente teria provocado o alvoroço dos cachorros. O
despertador também tocou às 5h, porque Clara sempre prepara as coisas cedo para
irmos à missa no CANAL 5, que estava prevista para começar às 6:20h. Era
domingo e dia de São João. Quando Clara saiu para o quintal, por volta das
5:30h, logo voltou me perguntando: “Você não tinha deixado 4 pegadores
prendendo as tábuas?”
Eu tinha certeza e sabia que os
tinha visto às 4:30h. Fui até o local onde estava o portão que tínhamos
começado a confeccionar e constatei que a tábua ainda estava seca dentro do
círculo correspondente ao contato da sapata do pegador com a tábua de Jatobá. A
chuva ia caindo e começando a molhar esta interface de meia hora atrás, entre o
aço e a face polida do Jatobá. O inesperado acontecera! Tomados de espanto,
investigamos uma possível escalada do muro, mas não havia o menor sinal, nem
pelo lado da rua nem pelo lado de dentro.
Embora preocupados com essa estranha
invasão de nossa área, chegamos no CANAL 5 ainda dentro do horário. Como houve
um imprevisto com a parte técnica da Emissora, o início da missa atrasou, e
chegamos em casa mais tarde do que de costume.
Depois do almoço, fui descansar. Acordei com chamado da
Clara para dizer que o cidadão Cícero havia saído com um embrulho rua afora. Ao
irmos atrás dele, encontramos um grupo de conhecidos que vinha na direção
contrária. Estes nos disseram que o embrulho era uma calça preta, o que nos fez
voltar. Mas quando retornamos até à frente de nossa residência, um outro
conhecido do grupo disse que ele tinha um embrulho dentro da calça preta e que
tinha se dirigido ao serralheiro para oferecer. Clara me instigou imediatamente
e fomos até à serralharia, que fica a cerca de 100m de nossa casa.. Quando
interrogamos o proprietário se um rapaz tinha oferecido algo para vender, ele
respondeu que tinha sido “algo como um parafuso que aperta madeira”, fazendo um
gesto com os dedos. Eu acrescentei que eram pegadores, que alguns chamam de
“sargento”, outros de grampo “C”. Ele confirmou. Ele também confirmou que eram
dois verdes e um vermelho, que eu corrigi para marrom, e ele aceitou. Clara
voltou para casa e eu andei até a rua Cel. Paranhos, passando pela rua Belém e
Jardineira, mas não encontrei o cidadão Cícero. Fui à residência do prof.
Valdir para apanhar as folhas que ele imprimiu para mim e retornei à casa.
Assim que cheguei Clara me disse que havia telefonado para a polícia porque o
cidadão havia também retornado com a calça preta e depois saído sem ela, com a
possibilidade de ter deixado o embrulho no barraco onde ele se aloja, e que os
policiais já tinham ido no encalço dele. Quando já estava novamente
descansando, fui chamado para ver a viatura a viatura da polícia que acabara de
chegar. O policial abriu a porta traseira do camburão e apareceu o Cícero
algemado. Os policiais foram até o barraco e encontraram os 3 pegadores. O
Cícero logo passou a dizer que ía deixar o nosso terreno. Estava em casa quando
fui chamado mais uma vez, agora para entrar na viatura. Os policiais disseram
que tinha que ir. Era uma tarde de domingo e muitas pessoas se postavam nas
calçadas para ver o espetáculo. Chegamos no CIAPC, em frente ao Hospital dos
Usineiros. Tivemos uma entrevista com a presença de 3 policiais do plantão,
além dos outros 3 que nos conduziram na viatura. Um deles me explicou que o
Cícero não tinha entradas na polícia e que uma provável prisão poderia eliminar
uma possibilidade de recuperação do indivíduo. Eu queria apenas que o fato
fosse registrado, de forma a que todo esse trabalho de descoberta do furto não
ficasse em vão. Isso tudo para salvaguardar a nossa segurança, pois o Cícero se
aloja num barraco sem banheiro, sem luz elétrica e sem água, dentro do terreno
comum à nossa casa, e após essa comprovação fica insustentável a sua
permanência. A policial disse que não poderia registrar flagrante sem duas
testemunhas, mas um outro dizia que ia tomar depoimento, mesmo que durasse 4
horas. Este, que parecia ser o chefe, mandou que nos levasse para a sala
contígua. Quando saímos, eu me vi naquela sala vizinha, a sós, com o Cícero, e
a porta se fechou atrás de nós. Meu primeiro impulso seria de abrir uma daquelas
portas e sair, mas tive que me conter e fiquei em pé no meio da sala. O Cícero
ficou sentado em uma das cadeiras que faziam ala ao longo de uma das paredes.
Subitamente, ele se levantou e chegou bem perto de mim, olhando-me nos olhos e
repetindo: “Não deixe eu apanhar”. Eu fiz sinal para ele parar com
aquilo. Nós estávamos em posições diferentes, mas no mesmo barco. Num arroubo de angústia, convidei o Pequeno para rezarmos juntos e ele prontamente aceitou. Ficamos de pé, no centro da sala, um de frente para o outro, e eu comecei a balbuciar uma Ave Maria. Foi aí que o Pequeno me interrompeu para dizer que ele era evangélico e não sabia rezar a Ave Maria. Eu admirei a honestidade dele e fiquei tocado pela ausência de qualquer sentimento de revolta ou ódio naquela criatura, e achei melhor desistir da oração. Voltamos a nos sentar. A porta da sala começou a se abrir e eu fui logo dizendo: “Eu estou de
acordo em que não se faça o registro da ocorrência “. Os três policiais que nos
conduziram se mostraram aliviados e começaram a nos conduzir para a saída do
prédio, um deles carregando os 3 pegadores. Na saída, o policial da recepção
nos chamou ao telefone. Tivemos que subir novamente e entramos numa outra sala,
que parecia ser a de tomada de depoimentos. Lá estava sentada uma outra
policial, além da que já tínhamos visto. O chefe dizia que a ocorrência ía ser
feita e que o delegado já estava chegando. Os outros policiais, e nós,
defendíamos o encerramento do caso. As duas policiais se mantiveram imparciais
naquela hora. Foi quando a primeira delas disse que o caso seria encerrado se
eu assinasse um termo de retirada de queixa. Como o Cícero se mostrou desejoso
de deixar o nosso terreno a partir do momento em que os pegadores foram
encontrados no barraco, e isso era o mais sensato, pois o seu modo de vida
transgride os princípios básicos de uma boa convivência social. Eu incluí essa
condição na redação do acordo em que eu retirava a queixa. Todos concordaram e
dois dos policiais assinaram como testemunhas. Logo me levantei, e
apressadamente ía saindo, assim como trataram de fazer os outros da viatura,
quando esta última policial me chamou e sorrindo acrescentou: “Não vai levar os
seus pegadores?”. Eu respondi: “A partir do momento em que me forem entregues”.
Ela os apanhou de cima da mesa e os estendeu para que eu os pegasse.
Solenemente eu simulei beijar um dos pegadores e acrescentei: “São de minha
estimação”. De fato, os nossos pegadores foram pintados de forma personalizada,
de acordo com os tamanhos. Assim os pretos são os de 12 polegadas, os verdes
são os de 6 polegadas, etc.
Tomamos a viatura com os mesmos
passageiros da ida e saímos aliviados. O silêncio só era quebrado pelo som do
rádio ou por iniciativa de algum dos policiais. Chegamos à rua Joana Rodrigues
da Silva, onde fomos soltos.
Nem todos os detalhes desse episódio
foram narrados, primeiro porque a memória não permite, segundo porque se
tornaria pouco objetiva a narração, mas podemos acrescentar uma análise
focalizando alguns pontos.
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