A palavra repolitica está associada á idéia de se refazer, ou seja, começar tudo de uma outra forma. No caso da politica, o autor da idéia, Francisco Withaker, propõe que os eleitores fiscalizem a Câmara.

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Francisco José Lins Peixoto Contatos: (82)3356-1509 Sugestões: franjolipeixoto@hotmail.com Organizei e toquei violão em um grupo de crianças da igreja católica, juntamente com minha esposa, Clara Maria Dick Peixoto. Ela cantou no grupo e era membro de um grupo de liturgia da Arquidiocese de Maceió. Leio, escrevo e falo inglês, e alemão.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O leão e a floresta no planeta desconhecido





INTRODUÇÃO


            Esse texto foi escrito entre 28/08/88 e 07/10/90. Durante esse tempo, de pouco mais de 2 anos, o paroquiano anotou algumas observações feitas no sermão do padre, geralmente nas missas dominicais.
            Escrever alguma coisa sobre isso era de uma necessidade avassaladora, funcionando como um analgésico para as frustrações de se viver entre pessoas que se acomodam aos padrões culturais, mesmo quando esses funcionam como mecanismos de dominação e alienação da pessoa humana.
            O clima ainda era temperado por resquícios da ditadura militar e do absolutismo do clero católico da época anterior ao Concílio Vaticano II.
            O primeiro cuidado foi escrever um texto pouco compreensível para a maioria das pessoas, mas que foi muito apreciado por diversos participantes do coral da Comunidade, do qual o autor fazia parte. Em resumo, quem escrevia pensava em desabafar os sofrimentos comunicando-se com alguns amigos, e ao mesmo tempo se proteger das incertezas quanto a perseguições. Observe-se que, logo no início do conto, há uma referência ao dia 28/08/88 como sendo uma quarta-feira, mas o calendário mostra que era um domingo.
            O grande dia na igreja católica, chamado até de “Salário mínimo da fé”, é a missa de domingo. A Comunidade era a de N. S. Medianeira de Oswaldo Cruz, no bairro de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Todos os sermões foram proclamados pelo Pe. Adriano Rebelo, que tinha ares de Europa por ser descendente de portugueses, além de demonstrar uma grande cultura, viajando para os E.U.A., com amizades por lá. Ele tinha também um cargo de juiz dos processos canônicos na Arquidiocese do Rio de Janeiro, junto ao cardeal Eugênio Sales.
            Relendo o texto, o autor descobre que já tem modificações nas atitudes e modos de pensar daquela época, tanto quanto à corporação do clero quanto à política, mas continua achando interessante o testemunho dado naquela comunidade, assim como válidas muitas das observações comentadas no texto “O leão e a floresta no planeta desconhecido”.
            Para variar, o autor está concluindo esta introdução ao texto por volta da 11:00h do dia 01/12/13, depois de assistir `a missa das 6:30h na Paróquia Imaculada Conceição do Jacintinho, Maceió, celebrada pelo Pe. César, que seria uma quarta-feira no Planeta Desconhecido. Nos avisos finais da missa, ele adverte que todo cristão e paroquiano deve contribuir para a festa da Comunidade doando, entre outras coisas, 1 garrafa de 2 litros de refrigerante. O mico foi obrigado a recorrer a uma velha cascavel, na saída da igreja, com outras lagartixas por perto franzindo as testas e arranganhando os beiços, e dizer: “Por mim, um caminhão carregado de refrigerantes nem sairia da fábrica, pois não é uma bebida saudável, seria muito melhor falar de sucos naturais”.
          Atualmente, temos esse texto postado no site: www.repolitica.blogspot.com, que a pessoa deve procurar nas postagens de 2013, dentro do site. O ano de 2013 já contém 12 postagens. O texto “O leão e a floresta no planeta desconhecido” corresponde à postagem do mês de dezembro de 2013. Assim o leitor pode consultar, imprimir ou enviar o texto para outras pessoas. Convém salientar que somente o texto escrito pode ser facilmente enviado por E-mail, pois os desenhos inseridos no texto só podem ser apreciados com a consulta ao site.



Maceió, 01/12/13



1. O PLANETA DESCONHECIDO


            No nosso sistema solar existe mais um planeta. Só que ainda não tinha sido descoberto pelos cientistas. Em muitas coisas ele é parecido com o planeta terra, pois lá também se constatou a existência de religiões. Em algumas outras coisas ele é diferente da terra, como por exemplo, o calendário anual não coincide com o nosso. Lá não têm pessoas, só animais. Não obstante, os animais de lá já tem um nível intelectual bem mais desenvolvido do que os nossos aqui na terra.

            Era quarta-feira, 28/08/88, Quando o papagaio e o mico foram para uma reunião presidida pelo leão. O leão explicou que a situação econômica estava ficando difícil, mas que tinha ordenado a retirada do telhado da Casa de Reuniões para ser colocada uma laje. A solução era fazer economia e trabalhar um pouco mais. Ele mesmo disse que não tinha empregada doméstica e que sabia lavar, cozinhar, cuidar da casa, etc., porém reclamou muito das fofocas, pois animais que tinham se afastado da comunidade estavam sabendo muito mais do que os que estavam ali. O papagaio sempre acenava com a cabeça, em tom de consentimento. O mico ouvia, mas ao mesmo tempo fazia a sua reflexão, trabalhando as idéias colocadas pelo leão. O mico pensou que as fofocas poderiam ser, em última análise, a passagem de informações, já que nenhum outro animal podia expor as suas idéias nas reuniões, ou sequer mesmo falar na presença do leão. Se os animais (sobretudo os pequenos) não fofocassem, nenhuma informação seria passada. Isso significaria a supressão total da informação, o que acarretaria um fantástico aumento de poder naquela situação característica de dominação. Isso tinha sido matéria das aulas de sociologia na escola que o mico freqüenta. O mico voltou para a sua árvore meditando sobre as fofocas.



2. O DIÁLOGO





No dia 24/12/88, também uma quarta-feira, o mico chegou pontualmente ao local da reunião. Surpreendentemente o leão começou a falar de diálogo, dizendo que os animais deviam se ouvir mutuamente. Aquele que não se expressa diminui o diálogo. O leão continuou o seu discurso propalando que não podia haver diálogo com autoridade, só na igualdade podia haver o diálogo. Quem não dialoga é porque tem medo da verdade. O mico estava ficando empolgado porque estava tudo coerente com o que ele havia estudado na escola. Os papagaios e uma velha arara estavam apreensivos. O mico foi, aos poucos, sendo influenciado pelo ânimo dos papagaios e começou a refletir: Quem seriam os atores do diálogo? Onde? Em que circunstâncias? E desanimado, pensou... pelo menos na grande reunião não poderia ser. Na reunião só fala o leão ou os autorizados por ele, que devem ser extremamente obedientes. Nessa altura o leão já estava falando de outras coisas e tinha começado a dar exemplos. Primeiro ele falou de uma cutia que tinha planejado o assassinato do pai porque não a deixava namorar, e que tinha se amasiado com um porco-espinho. Mas ele não considerou todos os detalhes que por ventura estivessem incluídos nas circunstâncias do caso, e que pudessem explicar o estranho comportamento da cutia. Depois ele contou o caso de uma armadilha que matou alguns filhotes de leão, quando eles retornavam de uma área onde os pais costumavam comer zebras. O mico, que neste caso sabia de que se tratava, não achou certo a morte dos leõezinhos, mas compreendeu que havia uma grande matança de zebras e de outros animais indefesos, que viviam cercados e explorados por alguns leões das redondezas. Pelo menos esse detalhe não deveria ter sido omitido, ou não deveria ter sido contada a estória se não houvesse tempo suficiente para abordagem de todos os aspectos importantes. Em terceiro lugar, o leão achou um absurdo que os abutres, assim como outros animais, comercializassem um tipo de erva proibida, capaz de viciar ou até causar a morte, sem, contudo mencionar o motivo que leva os animais a esse tipo de procedimento: não há uma organização social que permita a todos os animais as mesmas condições para viver dignamente. O mico voltou para o seu galho revoltado com tantas denúncias incompletas e unilaterais, frente a uma platéia compulsoriamente muda. O jacaré, ao encontrar a lagartixa, arriscou um comentário: “É natural que o leão emita esses pontos de vista, pois a sua opinião é formada a partir das notícias obtidas nos grandes meios de comunicação, que são diretamente subsidiados e geridos pelos leões”. A lagartixa franziu a testa e arreganhou os beiços num sinal de desaprovação e medo, e foi tratando de se afastar do jacaré. O jacaré, por sua vez, ficou muito triste e até agradeceu a censura disfarçada, pois percebeu que estava adentrando em terreno perigoso. Voltou para o mangue pensando em outras coisas.


3. A PAZ É FILHA DA JUSTIÇA


            No dia 31/12/88 estava o mico em mais uma grande reunião geral, sobretudo porque ele mesmo achava que era a única saída para o bom convívio entre os animais daquele planeta, e porque concordava com muitas coisas que o leão dizia. Aliás, o mico sabia que os estatutos da comunidade, frente aos quais o leão também deveria se curvar, eram absolutamente saudáveis e corretos.
            O leão apresentou um tigre e uma onça como seus padrinhos e vindos de uma região longínqua. Por mais duas vezes ele voltou a falar nos seus estimados padrinhos. Da última vez ele fez referências às diversas fêmeas da comunidade, que tinham o péssimo costume de ficar olhando os outros machos quando estes saíam de suas tocas para trabalhar, e que essas fêmeas não faziam nada, ao contrário de sua madrinha, que era um exemplo de trabalho. Nesse momento e de forma inusitada, a madrinha levantou o dedo perguntando se podia falar. O leão acenou que sim. Foi um espanto geral entre a bicharada, especialmente entre as galinhas de angola e as maritacas, pois isso nunca tinha ocorrido antes. Imagine que alguém tivesse levantado o dedo para perguntar se podia dizer uma coisa na grande reunião. Então a onça começou a falar; “Eu trabalho porque não tem outro jeito, se pudesse, eu também não trabalharia”. O leão engoliu em seco e voltou-se rapidamente para dar continuidade aos afazeres da reunião. Pouco antes, durante o discurso, o leão havia dito que todos querem a paz; mas a paz é filha da justiça e do amor. O mico concluiu rapidamente que não podia haver paz sem justiça. O que ocorre muitas vezes é apenas uma paz aparente, que mais parece uma indolência ou uma alienação, que não é outra coisa senão o controle das pessoas através da opressão, da supressão da informação, da expropriação, da propaganda, etc. Nessa reunião o leão comunicou uma novidade, que foi a reorganização da comunidade com um conselho de 12 membros. Todos os conselheiros foram escolhidos e nomeados pelo leão. Finalmente o leão disse que não se sentia bem com as cobranças de taxas por serviços, os quais decorriam de sua obrigação com os estatutos, e, portanto ele se sentia obrigado a prestá-los gratuitamente. Assim ele achava melhor que houvesse uma taxa de condomínio para suprir as necessidades da comunidade. O mico passou os olhos pela platéia e constatou que os animais permaneciam indiferentes, como, aliás, sempre ficam quando se tratam de questões teóricas, talvez até por ser um padrão de comportamento ideal para a grande reunião, uma vez que só o leão pode falar. A indiferença passa a ser uma questão de sobrevivência. Para não ficar completamente desanimado, o mico acredita que o gato tremeu um pouquinho as barbas, e a gata angorá distribuiu um olhar para as outras gatas, quando o leão disse que a escolha dos membros do Conselho foi ajudada por opiniões de membros da comunidade, e que ele certamente levara em consideração.




4. A IMPRENSA É MANIPULADA



            No dia 12/02/89, também uma quarta-feira, o mico voltava de suas férias e foi logo cumprir o seu dever comunitário, comparecendo à reunião do leão. O leão declarou que um grupo de leopardos verdes havia dominado todos os animais da floresta, durante 20 anos, à custa de armas compradas com o dinheiro da própria comunidade. Com esse poder também a imprensa foi manipulada. Nessa altura, o mico pensou: ...muita coisa deve ter ocorrido por aqui durante a minha ausência. Mas o mico nada pôde apurar, porque não há como ser ouvido na comunidade, e, portanto, se ele perguntasse, nenhum outro animal responderia. Todos sabem que o leão não gosta que se façam reflexões sobre o quotidiano. Mas uma coisa é certa: essa declaração do leão está coerente com o que ele disse no dia 31/12/88: “A paz é fruto da justiça e do amor”. Mais coerente ainda com os detalhes levantados pelo próprio mico sobre a falsa paz, que é sustentada pela opressão e pela supressão da informação. De fato, os leopardos ameaçavam provocar horríveis sofrimentos nos animais que discordavam deles, reprimindo-os, e, portanto fazendo uma opressão. Por outro lado, dificultavam a comunicação entre os bichos, e conseqüentemente a sua auto-organização e superação de sua própria alienação, através da manipulação da imprensa, ou seja, suprimindo as verdadeiras informações. Continuando o discurso, o leão foi bastante concreto com relação à administração da floresta ao dizer que uma eminente vereadora, atual presidente da câmara, não ia durar muito. Mas mesmo assim, se um membro da comunidade tivesse que morrer que enfrentasse a morte. É correto morrer.
            Alguns leopardos que estavam na reunião, após esse discurso do leão, ficaram sem saber o que fazer, pois o leão sempre se mostrava amigo. Mas um leopardo mais experiente consolou os demais: “O tempo é o senhor da razão. Com o passar do tempo, tudo será naturalmente esquecido, pois a comunidade não tem o hábito de se reunir para falar e refletir criticamente, nem pode haver correspondência entre os discursos e a prática do dia-a-dia. Já foi dito que o discurso do leão deve ser recebido com cuidadosa indiferença. Seria apenas uma precipitação achar que a seqüência ver-julgar-planejar-agir tivesse continuidade a partir das grandes reuniões”.
            O mico foi para casa um pouco desconcertado, procurando recuperar o equilíbrio para poder voltar às próximas reuniões. Apenas uma cascavel octogenária conversava sensatamente com o mico, pois ela não tinha mais medo de morrer. Isso reanimava o mico para as próximas reuniões.


5. REUNIÃO DO CONSELHO


No dia 25/03/89, ocorreu uma reunião sem maiores acontecimentos, a não ser a apresentação dos 12 conselheiros. Inegavelmente todos poderiam ser classificados como obedientes, acríticos, desconhecedores dos estatutos ou pelo menos incapazes de fazer uma correlação entre os imperativos dos estatutos das reuniões e os fatos reais, de modo que o leão nunca pudesse ser contestado por eles.
No dia 25/05/89 a comunidade foi convocada para uma reunião extraordinária e lá foi o mico cumprir o seu dever. O leão estava muito contente porque o leopardo verde, que havia sido eleito para a câmara dos deputados centrais da floresta, havia proposto uma lei que prestigiava um dos dias das reuniões, tornando-o feriado florestal. Os leões tinham tanta influência entre os poderes constituídos da floresta a ponto de algumas de suas reuniões serem motivo de decretação de feriados florestais. Maior alegria ainda foi externada no final da reunião, quando o leão comunicou a intenção daquele deputado de tornar feriado florestal outros dias de reuniões. Fez questão de mencionar o partido do leopardo verde, feito deputado.
Na reunião do dia 29/07/89, o leão se mostrou muito coerente: “Quem quiser se matricular para se tornar sócio dos círculos de reuniões terá que ter padrinhos que pratiquem os estatutos. A matrícula será adiada no caso dos padrinhos precisarem regularizar as suas situações.
            Na reunião do dia 20/08/89 o leão critica duramente os sócios que acendem mais velas do que são fiéis aos estatutos. Há um hábito entre alguns animais, como as galinhas de angola e os melros, de acender velas nos cruzamentos de trilhas, embaixo das árvores. Isso é muito perigoso porque pode destruir parte da floresta, além de ser puro desperdício.


6. AS TAXAS DA COMUNIDADE








            Na reunião do dia 24/09/89, o leão designou um leopardo verde para cuidar da parte financeira das reuniões. Nessa reunião o leão cedeu o seu lugar, coisa extremamente rara e delicada, para que o leopardo fizesse o seu discurso. O leopardo logo tomou o microfone e começou: “A taxa que vocês têm que pagar é apenas o valor de oito cachimbos...”. Nessa altura, todos se entreolharam, porque animais com esse vício havia poucos, a não ser o próprio leopardo que estava discursando. As rolinhas, os papagaios, as codornas, os urubus, muitos deles sexagenários, pensavam como o leopardo ousara fazer essa comparação. Mas não ficou somente nisso: “A taxa é apenas uma entrada no circo. E ir ao circo, minha gente, significa o risco de ter a carruagem roubada”. As andorinhas, os ratos, os morcegos, as baratas, as pulgas, toda essa bicharada miúda, que era o que mais tinha na reunião, ficou completamente aturdida, pois nunca tinham ido ao circo e nunca sonharam em ter uma carruagem. Some-se ainda o fato de que alguns poucos animais de maior renda presentes na reunião não tinham também esses vícios, que eram mais comuns entre os felinos, como os leões, as onças, as panteras os tigres e os próprios leopardos. Mas o leopardo verde, responsável pelo caixa, não parecia se perturbar e continuou o seu discurso. Depois o leão assumiu o seu posto e a reunião continuou, pois nenhum outro animal podia falar na reunião. Terminada a reunião, todos foram para as suas tocas e ninhos.
            15/10/89 – O leão faz recomendações sobre as eleições. É época de se eleger o governante máximo da floresta. A coordenação dos leões recomenda que não se deve abordar assuntos políticos, mas isso não é de modo geral obedecido pelos diversos leões, administradores das reuniões da floresta.
            01/01/90 – Nessa reunião o leão se referiu à morte de um ditador, num certo reino da floresta. Acontece que não se pode matar, segundo os estatutos. Apesar disso, o leão insistiu com a idéia de que a morte dos ditadores era um bom sinal. Ele também lembrou que fazer uma floresta feliz e justa é dever de todos os animais. Todo animal deve pagar a taxa e ajudar a construir a Casa de Reuniões.



7. A LOTERIA VETERINÁRIA


            07/01/90 – Nessa reunião o leão estava irritado. Certamente vazou algumas fofocas, porque muitas maritacas e grilos vão tagarelando quando saem das reuniões. Outros animais, como os beija-flores e as gaivotas, vão conversando a caminho de casa, embora todos sejam completamente mudos nas reuniões e nas imediações da casa de reuniões.
            Uma dessas conversas deve ter chegado aos ouvidos do leão, talvez através de uma de suas conselheiras. Então ele disse que não tem nada que dizer que não vai pagar a taxa porque não sabe onde vai ser empregado o dinheiro. E acrescentou: ... quem deve saber disso são meus encarregados de recolher a taxa, e eles vão prestar contas depois. Conforme os estatutos, dizia ele, cada um vai prestar contas do que fez, mesmo que seja no fim da sua vida. A formiga achava que era mais interessante prestar contas logo, ou melhor ainda, que todos pudessem fiscalizar a administração do dinheiro, mais nada podia dizer. O leão continuava o seu discurso dizendo que quanto mais um animalzinho dá dinheiro para as obras da Casa de Reuniões, mais o seu dinheiro aumenta. O mico estava pensando, pois isso ele podia, falar não; mas mesmo que ele falasse os outros animais não poderiam escutá-lo, pois a tradição de que só o leão podia ser ouvido era forte demais. No pensamento, o mico achava que uma administração participada ajudaria o desenvolvimento da competência de cada membro da comunidade, produzindo uma comunidade mais forte e capaz. Além disso, as desconfianças deixariam de existir, pois não haveria lugar para fofocas. O mico só via uma dificuldade: a de que uma administração participada e transparente não só impediria que qualquer animalzinho desviasse verbas, mas evitaria também que certos leões dominadores lançassem mão de verbas sem que os outros membros da comunidade soubessem. Isso parece ser inaceitável da parte dos leões. O mico ia para casa desolado e só a velha cascavel o ouvia, mesmo assim só porque não tinha mais o que perder, pois ela também tinha por certo que os leões tem esse direito.



            28/01/90 – O leão, vendo que muitos felinos eram ricos e comiam bem, resolveu explicar a justeza da riqueza: “A riqueza não é má em si, apenas o mau uso da riqueza e a falta de desprendimento”. Até aí o mico não se importou, porque na sua concepção filosófica o leão ainda não tinha explicitado qual o tipo de riqueza a se conceituar. Mas já para o final do discurso, o leão afirma: “Nem todas as riquezas são ilícitas: pode-se trabalhar e economizar, ganhar na loteria veterinária, ou herdar”. Com o trabalhar e economizar o mico concordava desde que não houvesse especulação. Mas a loteria é por si só uma coisa injusta e pérfida, assim pensava o mico. O prêmio da loteria é o resultado da contribuição de cada animalzinho, e quanto maior o prêmio, maior é o número de desilusões, pois muito mais são os que ficam sem receber o prêmio. Por outro lado, sendo o prêmio muito grande, maior é a injustiça, porque um só vai se aproveitar daquilo que não produziu, e que, portanto não é fruto do seu trabalho. Assim o mico podia organizar na sua mente (porque não podia falar, nem ser ouvido) as injustiças causadas pelo sistema lotérico-veterinário:
            1) É injusto porque deixa sempre um grande número de animais frustrados.
            2) É injusto porque poucos ganham sem trabalhar. Conseqüentemente corrompe a mente do jogador, pois se ele se candidata a usufruir sem produzir, naturalmente perde o poder moral de criticar um sistema que produza essa realidade (uma mão lava a outra...).
            3) É injusto porque desperdiça um grande número de horas que poderiam ser empregadas em trabalho produtivo. Essas horas são desperdiçadas na operação do sistema, que em si é improdutivo.
            4) É injusto porque tende empobrecer o conjunto dos animais, uma vez que a soma do dinheiro obtido por um não é, em geral, bem administrada.
            5) É injusto porque enfraquece os animais na sua luta pela produção e distribuição justa dos bens e utilidades, estimulando a autofagia.
            6) É injusto porque cria nos animais a atitude dos felinos, que vê na carne do outro o seu alimento, pois é impossível abraçar a idéia de constituir uma floresta justa, onde a sobrevivência de todos seja garantida, e, ao mesmo tempo, participar de um jogo onde uns se distanciam dos outros.
            Sobre a herança o mico também pensou: nem todas são justas. A herança é produzida e regulamentada por leis criadas pelos animais. Como alguns animais dominam os outros, as leis acabam sendo o produto dos que dominam, e, portanto sem garantia de que sejam justas, enquanto houver dominação. Embebido nesses pensamentos o mico chegou ao seu galho sem ter falado com algum outro animal. Do mesmo modo procederam todos os outros animais, pois só ao leão cabia falar e ser ouvido.
            04/02/90 – Nessa reunião o leão criticou veemente a administração da floresta, nos seus diversos focos de corrupção. Sobretudo os administradores da loteria veterinária, que retiveram o prêmio de 100 milhões por 48 horas, mesmo depois de se apoderarem de 70 milhões do total arrecadado. Criticou também o empréstimo compulsório sobre o custo de alguns combustíveis, que ninguém sabe para onde foi. Nesse momento uma formiga se lembrou do que o leão tinha dito sobre a prestação de contas da taxa para a casa de Reuniões, na reunião de 07/01/90. No final da reunião, o leão lembrou mais uma vez a obrigatoriedade do pagamento da taxa pelos animais. Disse que eram ladrãozinhos os que não corrigiam o valor de sua taxa conforme a inflação. Lembrou que os que querem moralizar são excluídos, mesmo no âmbito da coordenação dos leões. A juriti sentiu u calafrio pela espinha, pois foi uma grande ousadia do leão, dirigir uma crítica publicamente à coordenação superior. O mico achou o discurso bem recheado de realidades vividas na floresta, mas naquele momento pareciam apenas um sonho para os animais presentes, pois só o leão as podia criticar, comentar, descrever, julgar e condenar.


8. A DISCRIMINAÇÃO RACIAL





            11/02/90 – Neste dia o leão estava um pouco sentimental. Isso é possível, mesmo entre os leões. Fez comentários sobre alguns capítulos dos estatutos e concluiu que matar não era somente tirar a vida. Então contou como um casal de porcos matou um leão preto. O leão estava nas dependências da Casa de Reuniões da sua jurisdição, quando um casal de porcos apareceu para contratar uma cerimônia particular, a ser presidida pelo leão responsável pelas reuniões, mas não sabia que poderia existir um leão preto. Quando o casal descobriu que o leão preto iria presidir a cerimônia, desistiu. O nosso leão foi então dar um passeio com o leão preto para consolá-lo, dizendo que ele tirasse aquelas idéias da cabeça porque ele tinha muito que fazer pela causa das reuniões. Mesmo assim, o mico achou que o problema do leão preto não foi devidamente resolvido pelo nosso leão. O mico achou que o sofrimento do leão preto tinha sua causa exatamente por ele ainda não ter erradicado completamente o seu próprio complexo. Em suma, ele é ainda infantil e alienado. Se ele tivesse consciência da beleza de sua cor preta e estivesse engajado nos movimentos de libertação animal, ele teria respondido ao casal de porcos com toda serenidade e bom humor: “Não faz mal, posso conseguir um leão branco ou amarelo para vocês. É só falar com um dos meus colegas. É que por aqui a bicharada acha bonita a cor preta, e eu sou chamado para algumas cerimônias justamente por ser bonito.” Mas nas reuniões não há comunicação verbal entre os assistentes, só o leão pode falar. O mico silenciou, assim como todos os outros animais. Não se pode falar, mesmo que seja para resolver o problema de um leão nos seus dias de sentimentalismo.


9. CONFLITOS CONJUGAIS





            Na reunião do dia 04/03/90 o leão defendeu radicalmente as fêmeas de todos os animais. Foi um grande dia, a menos do inconveniente de só o leão ter falado. O mico achou curioso o fato de que, desta vez, talvez por exceção, um assistente interpelou o mico. Sim, o próprio mico foi interpelado para um desabafo de um dos assistentes. Este dizendo que discordava do ponto de vista do leão. O leão havia dito que se um animal der uma chicotada em sua fêmea, ela deve revidar. O urubu achava que não deveria ser assim e que o leão estava insuflando as fêmeas contra os machos. Uma vaca contrapôs a colocação do urubu: “Estou de acordo contigo, se uma fêmea der uma patada no seu macho, ele não deve revidar. Assim não teremos estímulos para brigas entre casais.” O urubu não respondeu, mas não gostou da ironia. O mico ficou sozinho a pensar: será que o silêncio dos animais e a subserviência ao leão não seria muito mais a malignidade de cada animal do que um poder real do leão.
A reunião do dia 11/03/90 foi monótona como todas as outras no que diz respeito a discursos, pois só o leão falava e dava ordens. Ele anunciou a posse do presidente da floresta. Como esses assuntos são considerados inoportunos pela Confederação dos leões, o nosso leão mostrava esse ar de rebeldia. A seguir ele frisou que as obras da Casa de Reuniões estavam sendo executadas sem contribuições do exterior. Ele usou a palavra exterior para designar um agrupamento de animais que vivem sob outra forma de organização administrativa. Talvez o leão tenha dito isto para censurar um leopardo verde que liderava uma iniciativa apoiada por entidades do exterior e que, de certo modo, lhe causava desconforto por não estar completamente sob o seu domínio. Essa alusão também se encaixava como crítica a um político que defendia uma maior participação dos pequenos animais na administração da floresta. Um gavião se sentiu constrangido ao ter que ouvir tudo aquilo sem poder contra-argumentar com o seu ponto de vista, mas essa era a regra do jogo.
            A seguir o leão declarou que as obras da Casa de Reuniões foram sustentadas, durante vários meses, por um parente rico de um dos membros da comunidade, o qual não fazia parte das reuniões. Desta forma o leão procurava mostrar que as contribuições da comunidade não eram suficientes para efetuar as obras, ao mesmo tempo em que deixava claro que o andamento das obras não dependia tanto assim das contribuições da comunidade, ou melhor, deixaria de depender se a comunidade viesse a exigir alguma participação. Mesmo assim, fez questão de dizer que estava orgulhoso daqueles que estavam se sacrificando para dar dinheiro para as obras. A falta de contra-argumentação deixava o leão à vontade para desenvolver qualquer tipo de raciocínio. No entanto havia liberdade de pensamento, ou seja, qualquer assistente podia pensar desde que não comunicasse o seu pensamento, principalmente através da linguagem falada. Assim o mico pensava: com essa margem de manobra o leão vai sempre poder estar acima dos emudecidos e frágeis ouvintes de seus discursos. Ainda mais porque alguém ou algum grupo de animais, estranhos ao grupo de animais que freqüenta as reuniões, podem financiar os projetos de leão. Como a floresta é dominada pelos animais que tem bastante dinheiro, é de se esperar que as reuniões do leão sejam subsidiadas também por eles. Desse modo, o leão se mostra imune ao boicote econômico, que poderia ter sido uma forma “muda” da comunidade se opor à denominação do leão. Os estatutos falam de amor, mas quem poderia entender que o amor fosse fruto da dominação. A essa altura o mico pensou em dizer isso a alguns animais que lhe estavam próximos, mas desistiu. Desistiu até porque seria inútil sem que esses tivessem um conhecimento crítico dos estatutos. O mico finalmente suspirou e se pôs a conversar com a cascavel, a caminho de sua casa, ou melhor, a caminho de seu galho.
            18/03/90 – O presidente eleito da floresta confiscou todo o dinheiro que cada animal havia economizado, muitas vezes à custa de muito trabalho, e até o dinheiro de certos felinos menos poderosos. O mico estava curioso para saber qual seria a reação do leão, pois esse tinha mostrado simpatia pelo candidato antes das eleições. Aconteceu que o leão se mostrou irritadíssimo, deixando até de fazer o seu costumeiro discurso. No fim da reunião ele criticou os baixos valores das ofertas para a Casa de Reuniões. Em decorrência disso, ele iria cancelar as atividades noturnas com o intuito de economizar no consumo de energia elétrica. Muitos animais, sobretudo os vaga-lumes e os morcegos, gostariam de ter debatido as propostas e posturas dos diversos candidatos. Mas em debate o leão nem podia ouvir falar, pois somente a ele era permitido falar. E no dizer de um pássaro-ferreiro, que teve o apelido de Francisco Sá Miranda (1495-1558), consta o seguinte:

                                   “Sempre foi, sempre há de ser.
                                   Onde uma só parte fala,
                                   Sempre a outra há de gemer”.



10. O CANTO NAS REUNIÕES



            25/03/90 – Nessa reunião o leão se mostrou apático e um tanto ou quanto desapontado. Talvez fosse ainda o efeito das medidas tomadas pelo novo Presidente, pois sabe-se que o dinheiro da Casa de Reuniões era habitualmente aplicado no mercado financeiro. Os animais pareciam aliviados porque, pelo menos temporariamente, a sua agressividade encontrava-se amortecida. Apenas o canto foi afetado nesse dia. Acontece que a tradição da floresta sempre foi a de ter as reuniões animadas com o canto vocal e instrumental. Isso o leão ainda não tinha conseguido acabar por completo, embora ele já tivesse ameaçado colocar um equipamento eletrônico para substituir o canto dos animais. A explicação é muito simples: como o canto é geralmente produzido com o auxílio dos bicos e bocas, ou seja, os mesmos instrumentos que são utilizados para a comunicação verbal, há sempre o perigo dos animais utilizarem esses mesmos recursos para falar. Pois bem, os hinos programados para esse dia constavam dos anais de um curso de canto que havia na floresta e que os leões dessa região sempre viam com desconfiança. Alguns bem-te-vis, assuns-pretos, canários e jaçanãs sabiam a música de cor, pois sempre freqüentavam os cursos de canto ou adquiriam as partituras. Acontece que os leões daquela região acharam por bem publicar uma outra letra para uma das músicas, seja como um artifício para desvalorizar o curso, seja pelo próprio hábito de se manter isolados. Antes de começar as reuniões,  o grupo de cantores se reunia apressadamente para algum acerto final.  Foi aí que uma pata e uma galinha insistiram em manter a letra publicada pelos leões, enquanto que um casal de curiós defendia a letra que tinha aprendido no curso e que constava da folha impressa de todos os assistentes da reunião. No momento do canto, a platéia inconscientemente seguiu a letra que tinha em mãos, apesar dos cuidados dos conselheiros do leão em avisar antes para que a assistência não cantasse essa música, mas deixasse apenas o coro cantar. Devido a esse imprevisto, um membro do conselho foi ao microfone e repreendeu os assistentes chamando-os de desobedientes. O mico ficou admirado pelo zelo e empenho do conselho na defesa da ordem imposta pelo leão.



11. SOBRE O TRABALHO ANIMAL



            17/06/90 – Mais uma reunião para trazer um novo alento de melhores dias para todos os animais da floresta. O leão voltou a fazer os seus discursos, dessa vez mostrando interesse político e social. Muitos ganham tão pouco e trabalham muito, dizia ele, enquanto outros trabalham tão pouco e ganham muito. Falou do camelo que cobrava uma fortuna para fazer a travessia dos outros animais no deserto, e do pica-pau que explorava os outros animais quando estes precisavam cortar uma árvore, e assim por diante. Citou o caso de regiões políticas da floresta, onde os animais eram todos ricos porque trabalhavam. Até a coruja, que não entendia muito de economia, ficou surpresa quando o leão tratou desse assunto sem falar na especulação, nas trocas comerciais injustas entre as diversas regiões da floresta, no domínio dos meios de produção por parte de alguns grupos de animais em proveito próprio, que explicam muito melhor a pobreza dos que mais trabalham. Se o mico soubesse desse pensamento da coruja, mas não soube e não poderia saber, pois não é correto haver comunicação entre os animais, ele teria juntado o seu raciocínio de que o discurso era muito mais para submeter os animais ao trabalho submisso do que alertá-los para usufruírem dos frutos do trabalho. Parecia muito claro para o mico que passar a idéia de que os animais são preguiçosos, sem conscientizá-los de que estão submetidos a um sistema econômico tirano, que dita o preço da mão de obra, é cooperar com o próprio sistema e se colocar frontalmente contra o bem-estar dos animais. Inclusive sem mencionar que esse sistema calcula os salários de modo que cada animalzinho trabalhe cada vez mais, até morrer, sem, contudo ter direito ao que foi produzido pelo seu trabalho. O mico sabia que esse procedimento era contrário aos estatutos, mas não podia falar. Mesmo se falasse os animais não entenderiam, porque quem já se viu um mico poder falar...
            06/08/90 - O discurso do leão começou, como sempre, com frases cheias de conteúdo e de indiscutível valor: “...há animais que não tem maiores aspirações na vida, enquanto outros tem objetivos perfeitamente definidos. Ele disse que a única coisa que desejava ás macaquinhas, que desviaram um amigo seu do ideal de se tornar um animal com o comportamento de um felino, era que quando uma delas estivesse numa ilha, cercada por leopardos famintos, não encontrasse uma só árvore ou cipó para subir”. A platéia mal se refez do susto, quando ele continuou: “...existem certos preconceitos com as profissões; só porque os leopardos verdes andaram comendo mais do que o necessário, e por apenas 20 anos, os animais mais jovens não querem seguir a carreira dos leopardos verdes. Ainda bem que esse preconceito está acabando porque milhares de jovens estão se inscrevendo no concurso para entrar na academia dos leopardos verdes”. O tatu ficava admirado com a naturalidade com que os animais ouviam o discurso do leão.
            19/08/90 – Era uma quarta-feira. O leão fez um discurso que se pode dizer dentro da linha. Explicou que muitas práticas usadas nas reuniões não têm respaldo nos estatutos, são decisões tomadas na Confederação dos leões por razões de conveniência.
            02/09/90 – Nessa reunião o leão fez uma exposição didática dos estatutos. No final do discurso, chamou a todos de “safados”, por não cumprirem fielmente os estatutos, incluindo ele também, principalmente no que diz respeito ao cuidado que deve ser dispensado aos animais carentes.
            16/09/90 – Há dias que não há nada para contar, apenas o leão fala de temas sem controvérsias. Há dias em que o leão tem os seus momentos de lucidez. Coube ao mico voltar para o seu galho em conversa amena com a velha cascavel. O tema tinha sido “O perdão”.
            22/09/90 – Nesse dia o leão resolveu contar o número de animais presentes à reunião. Era importante saber se estava aumentando ou diminuindo. Ele explicou que o momento mais importante, e o de maior responsabilidade, era o momento de votar. Ia acontecer as eleições para preencher as vagas de legisladores da floresta. O hipopótamo pensava que o momento mais importante não era bem um momento, mas a participação política quotidiana; pertencer a um partido político, freqüentar reuniões e participar dos debates. Se o hipopótamo pudesse ter falado, a paca teria completado o pensamento dele, pois ela também pensava: se o animal não participa de um grupo organizado, fica difícil conhecer o programa e ter bastante informações sobre os candidatos. Ainda mais, continuava a paca a pensar, teríamos que ajustar o candidato às nossas pretensões, depois controlá-lo, e se fosse o caso, cassar o seu mandato logo que ele se desviasse do nosso programa. Muitos outros animais pensavam, mas não podiam falar.




            30/09/90 – Nessa reunião o leão se mostrou inflamadíssimo e disposto a combater as superstições, principalmente a de se acender velas nas trilhas da floresta. Disse ter vergonha de ser leão por causa de alguns leões, companheiros seus, que permitiam tais coisas nas suas respectivas administrações. Isso não era modo de se cumprir os estatutos. Os estatutos não são para ser colocados debaixo da toca ou do ninho. Eram para ser lidos, discutidos em grupo. Os animais deviam ler os estatutos e retirar o que havia de melhor para a vida na floresta.  O dinheiro gasto na compra de velas devia ser utilizado em favor dos animais mais pobres. O João-de-barro não via as coisas assim com tanta simplicidade, pois tinha estudado história e sabia de muitas tentativas de construção da justiça em diversas regiões da floresta, logo destruídas por animais que não sabem viver sem explorar os outros. Assim o João-de-barro acreditava num plano político mais elaborado, mas não falou nada. Como ninguém podia falar, voltaram todos para seus galhos, ninhos e tocas, à espera da próxima reunião.
             04/10/90 – Era uma reunião extraordinária. Todos se dirigiram mais uma vez para a Casa de Reuniões, apreensivos de que se repetisse a rotina de sempre. Era a comemoração dos 12 anos de profissão do leão. Ele fez uma declaração de humildade, dizendo que tinha aprendido a mudar, a deixar o antigo moralismo. Afirmou que havia apenas um animal que estava perturbando a paz da floresta, mas não identificou o animal. Anunciou que tinha recebido uma razoável quantia para comprar o piso da Casa de Reuniões, mas não se sabe quem doou, nem de onde proveio o dinheiro (cerca de 50 salários mínimos). A coruja pensou: “Voltam a se repetir os financiamentos anônimos, como já tinha ocorrido na reunião de 11/03/90”.
            07/10/90 – Cada fato que ocorria na floresta era aproveitado pelo leão para os comentários nas reuniões. Nesse dia foi a greve dos veterinários e das professoras. O leão achava que não devia haver greve das atividades essenciais. Uma pombinha e uma gatinha angorá ficaram muito sentidas com o ataque do leão, pois ganhavam uma miséria como professoras de uma escola púbica. No final da reunião ele desdenhou dos legisladores eleitos pelos animais, dizendo que os animais gostavam mesmo era de ser enganados. Tudo isso se passou sem diálogo algum, pois só o leão podia falar. Uma rolinha chegou a pensar se isso não causaria sérios problemas emocionais no leão, pois todo animal necessita de um diálogo para testar as suas próprias formulações. Mas dialogar, para a Confederação dos leões, significa “amolecer”. Acontece que se o leão “amolecer”, será fatalmente censurado pela Confederação. A Confederação exige controle completo das reuniões. O leão fica sem saber o que fazer, pois a Confederação é muito forte. Se ele não obedecer, será expulso. A pergunta paira no ar e atormenta continuamente o leão: cumprir os estatutos ou ir de encontro aos ditames da Confederação?
            O mico, a cascavel, o hipopótamo, o João-de-barro, a coruja, a cutia, as pombinhas e gatinhas angorás, o jacaré, os curiós, a paca, a rolinha, o tatu etc., vão continuar assistindo às reuniões, pois assim determinam os estatutos, com a esperança de que no fim tudo dê certo.



12. CONCLUSÃO – A floresta é uma ficção que não tem necessariamente uma correspondência com a realidade, mas ajuda a refletir sobre a realidade.